Hoje seria suposto lerem uma crítica de um livro. No entanto, após o ter
visto, optei por fazer uma análise do filme “American History X”.
Com o título português “América Proibida”, realizado por Tony Kaye e
escrito por David McKenna, a trama do filme desenrola-se, sobretudo, em torno
de Derek (interpretado por Edward Norton) e do seu irmão Danny (Edward Furlong),
analisando através deles as consequências e repercussões do ódio irracional no
distrito de Venice Beach, em Los Angeles.
O filme mostra dois planos distintos diferenciados pela sua cromia: o plano
de presente, ilustrado a cores e o plano do passado, a preto e branco.
No plano do passado, o filme começa com um crime, por Derek Vineyard
(sujeito de convicções neonazis) que mata dois indivíduos de raça negra que
tentavam assaltar a sua carrinha. Devido à brutalidade dos atos Derek é
condenado à prisão.
Por sua vez, o presente remonta a três anos após os homicídios, no dia em
que Derek é libertado. Neste dia, Danniel (Danny) é chamado ao gabinete do
diretor da escola, devido a uma redação de história que tinha escrito acerca do
livro “Mein Kampf” como um exemplo de luta pelos direitos civis. Como medida, o
diretor assume a lecionação diária das aulas de história a Danny, às quais
apelida de “American History X”, exigindo-lhe uma nova redação para o dia
seguinte, onde Danny analise e interprete os factos que levaram à prisão do seu
irmão e a sua repercussão para a sua vida e na sua família.
Deslindado em parte o título do filme, resta-me fazer uma caraterização das
personagens, para que melhor se possa entender o filme e os questionamentos que
levanta.
Derek é um skinhead, apresentando uma mentalidade supremacista sobre a raça
negra e abomina as minorias étnicas residentes nos EUA. Estes pensamentos
parecem ser resultado de um conjunto de factos, a começar pela educação do pai
que criticava a ação afirmativa dos negros; a morte do pai, bombeiro de
profissão que acaba por morrer durante um incêndio num esconderijo de
traficantes de droga; e a influência de Cameron, um dos maiores propagandistas
da cultura skinhead nos EUA. Canalizando a sua raiva e sofrimento pela morte do
pai e, instigado por Cameron, Derek funda o D.O.C., de modo a que os brancos
não sintam medo no seu próprio bairro. Recrutando outros indivíduos que estavam
saturados de se submeterem aos indivíduos das outras raças, acabam por
vandalizar diversas lojas que não estejam sobre a alçada dos brancos.
Danniel idolatra o irmão. Todos os seus atos são no sentido de seguir o
irmão e de obter a sua aprovação e, por isso, segue fielmente as mesmas crenças
e os mesmos companheiros.
Feito um resumo do filme
analisemos e interpretemos as questões que este levanta:
●Se um professor
pedir uma recensão sobre um livro à escolha e se um aluno escolher a obra Mein Kaft, isso é errado? (Nomeadamente como um exemplo de luta pelos direitos
civis?)
●Os negros são mais criminosos que os brancos? (Este é um
dos argumentos usado por Derek para justificar o seu ódio) Ou será um resultado
da pobreza e das desigualdades sociais, como alega Davina (irmã de Danny e
Derek)?
●Quando uma pessoa não concorda com as leis vigentes é
legítima a desobediência?
●É legítimo o Estado gastar dinheiro com os imigrantes?
●É errado ler livros de outras culturas, num programa
escolar? Se somos brancos só devemos ler literatura branca?
●Não devemos conhecer o inimigo? Ou só podemos odiar
aquilo que conhecemos?
●Somos responsáveis pelos exemplos que damos?
●Devemos legitimar todos os comportamentos policiais só
porque se agiu com autoridade?
Procurar garantir o respeito
pelas diferenças culturais e preservar a igualdade de direitos para todos não
são tarefas fáceis. O filme mostra isso em diversos pontos e chega até a
abordar questões que permanecem muito atuais:
- veja-se o exemplo
de Rodney King, caso discutido no filme, acerca do uso de violência excessiva por parte da polícia e compare-se aos
muitos casos que têm vindo a ser notícia ainda nos dias correntes. Aqui e aqui;
- as injustiças e
práticas desiguais que diferenciam as raças. O exemplo dado no filme leva-nos a
pensar o seguinte: como é que um
“branco” matou dois “pretos” e sai da prisão ao final de 3 anos? E um “preto”
ao assaltar uma loja e roubar uma televisão, deixando-a cair nos pés de um
polícia, é acusado de agressão ao polícia e condenado a 6 anos de prisão?
Não será isto um claro exemplo de abuso de autoridade? Alusivo a este caso,
podemos ver um análogo, aqui;
- Até que ponto a
ascensão, prémios e elevação da raça negra na sociedade não é feita com base no
mérito e nas atitudes, mas sim devido à imposição das igualdades sociais?
Veja-se o exemplo das cerimónias dos Óscares: em 2015 e 2016 a Academia de Cinema dos Estados Unidos nomeou atores exclusivamente brancos, com a cerimónia de 2016 a ser marcada pelo hastag #OscarsSoWhite. Em contrapartida, o ano de 2017 bateu o recorde de artistas negros nomeados para o óscar. Terá sido mérito ou uma luta contra os estereótipos?
O filme pode ser discutido no âmbito dos padrões culturais e da identidade cultural, pois mostra como um indivíduo vai aperfeiçoando a construção do seu ser com base na integração num dado grupo social, através das regras, valores, crenças modos de fazer, agir e ser.
American History X mais não é do que
um relato de alguém que faz uma análise do percurso da sua identidade cultural,
mostrando a definição do seu modo de ser por referência aos grupos culturais
com os quais partilha os mesmos ideais e que se inscrevem no cabelo, no corpo,
na pele, nas decorações, nos atos e nas atitudes. De tal forma que, ao olharmos
para o indivíduo conseguimos localizá-lo como um skinhead dos anos 90. O filme
é um exemplo explícito de uma subcultura que vai buscar influências aos padrões
culturais da Alemanha Nazi e à propaganda supremacista de Hitler.É também
elucidativo da existência da diversidade cultural dentro de uma sociedade e de
como as culturas podem ser dinâmicas, pois os seus padrões e a sua identidade
cultural podem sofrer alterações, sobretudo através do contacto com outras
diferentes culturas.
Não posso acabar sem laçar o desafio a quem viu o filme, de questionar o seu final paradoxal. O culminar dos acontecimentos dá ou não razão à diversidade cultural?
Termino com a citação final do filme: “A
minha conclusão é que o ódio é um peso. A vida é curta demais para se estar
zangado o tempo todo. Não vale a pena.”
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