sexta-feira, 2 de junho de 2017

Odiar ou não odiar? - Filme "American History X"

Hoje seria suposto lerem uma crítica de um livro. No entanto, após o ter visto, optei por fazer uma análise do filme “American History X”.
Com o título português “América Proibida”, realizado por Tony Kaye e escrito por David McKenna, a trama do filme desenrola-se, sobretudo, em torno de Derek (interpretado por Edward Norton) e do seu irmão Danny (Edward Furlong), analisando através deles as consequências e repercussões do ódio irracional no distrito de Venice Beach, em Los Angeles.
O filme mostra dois planos distintos diferenciados pela sua cromia: o plano de presente, ilustrado a cores e o plano do passado, a preto e branco.
No plano do passado, o filme começa com um crime, por Derek Vineyard (sujeito de convicções neonazis) que mata dois indivíduos de raça negra que tentavam assaltar a sua carrinha. Devido à brutalidade dos atos Derek é condenado à prisão.
Por sua vez, o presente remonta a três anos após os homicídios, no dia em que Derek é libertado. Neste dia, Danniel (Danny) é chamado ao gabinete do diretor da escola, devido a uma redação de história que tinha escrito acerca do livro “Mein Kampf” como um exemplo de luta pelos direitos civis. Como medida, o diretor assume a lecionação diária das aulas de história a Danny, às quais apelida de “American History X”, exigindo-lhe uma nova redação para o dia seguinte, onde Danny analise e interprete os factos que levaram à prisão do seu irmão e a sua repercussão para a sua vida e na sua família.

Deslindado em parte o título do filme, resta-me fazer uma caraterização das personagens, para que melhor se possa entender o filme e os questionamentos que levanta.
Derek é um skinhead, apresentando uma mentalidade supremacista sobre a raça negra e abomina as minorias étnicas residentes nos EUA. Estes pensamentos parecem ser resultado de um conjunto de factos, a começar pela educação do pai que criticava a ação afirmativa dos negros; a morte do pai, bombeiro de profissão que acaba por morrer durante um incêndio num esconderijo de traficantes de droga; e a influência de Cameron, um dos maiores propagandistas da cultura skinhead nos EUA. Canalizando a sua raiva e sofrimento pela morte do pai e, instigado por Cameron, Derek funda o D.O.C., de modo a que os brancos não sintam medo no seu próprio bairro. Recrutando outros indivíduos que estavam saturados de se submeterem aos indivíduos das outras raças, acabam por vandalizar diversas lojas que não estejam sobre a alçada dos brancos.
Danniel idolatra o irmão.  Todos os seus atos são no sentido de seguir o irmão e de obter a sua aprovação e, por isso, segue fielmente as mesmas crenças e os mesmos companheiros.



Feito um resumo do filme analisemos e interpretemos as questões que este levanta:
Se um professor pedir uma recensão sobre um livro à escolha e se um aluno escolher a obra Mein Kaft, isso é errado? (Nomeadamente como um exemplo de luta pelos direitos civis?)
Os negros são mais criminosos que os brancos? (Este é um dos argumentos usado por Derek para justificar o seu ódio) Ou será um resultado da pobreza e das desigualdades sociais, como alega Davina (irmã de Danny e Derek)?
Quando uma pessoa não concorda com as leis vigentes é legítima a desobediência?
É legítimo o Estado gastar dinheiro com os imigrantes?
É errado ler livros de outras culturas, num programa escolar? Se somos brancos só devemos ler literatura branca?
Não devemos conhecer o inimigo? Ou só podemos odiar aquilo que conhecemos?
Somos responsáveis pelos exemplos que damos?
Devemos legitimar todos os comportamentos policiais só porque se agiu com autoridade?

Procurar garantir o respeito pelas diferenças culturais e preservar a igualdade de direitos para todos não são tarefas fáceis. O filme mostra isso em diversos pontos e chega até a abordar questões que permanecem muito atuais:
- veja-se o exemplo de Rodney King, caso discutido no filme, acerca do uso de violência excessiva por parte da polícia e compare-se aos muitos casos que têm vindo a ser notícia ainda nos dias correntes. Aqui e aqui
- as injustiças e práticas desiguais que diferenciam as raças. O exemplo dado no filme leva-nos a pensar o seguinte: como é que um “branco” matou dois “pretos” e sai da prisão ao final de 3 anos? E um “preto” ao assaltar uma loja e roubar uma televisão, deixando-a cair nos pés de um polícia, é acusado de agressão ao polícia e condenado a 6 anos de prisão? Não será isto um claro exemplo de abuso de autoridade? Alusivo a este caso, podemos ver um análogo, aqui;
- Até que ponto a ascensão, prémios e elevação da raça negra na sociedade não é feita com base no mérito e nas atitudes, mas sim devido à imposição das igualdades sociais?


Veja-se o exemplo das cerimónias dos Óscares: em 2015 e 2016 a Academia de Cinema dos Estados Unidos nomeou atores exclusivamente brancos, com a cerimónia de 2016 a ser marcada pelo hastag #OscarsSoWhite. Em contrapartida, o ano de 2017 bateu o recorde de artistas negros nomeados para o óscar. Terá sido mérito ou uma luta contra os estereótipos?












O filme pode ser discutido no âmbito dos padrões culturais e da identidade cultural, pois mostra como um indivíduo vai aperfeiçoando a construção do seu ser com base na integração num dado grupo social, através das regras, valores, crenças modos de fazer, agir e ser.
American History X mais não é do que um relato de alguém que faz uma análise do percurso da sua identidade cultural, mostrando a definição do seu modo de ser por referência aos grupos culturais com os quais partilha os mesmos ideais e que se inscrevem no cabelo, no corpo, na pele, nas decorações, nos atos e nas atitudes. De tal forma que, ao olharmos para o indivíduo conseguimos localizá-lo como um skinhead dos anos 90. O filme é um exemplo explícito de uma subcultura que vai buscar influências aos padrões culturais da Alemanha Nazi e à propaganda supremacista de Hitler.É também elucidativo da existência da diversidade cultural dentro de uma sociedade e de como as culturas podem ser dinâmicas, pois os seus padrões e a sua identidade cultural podem sofrer alterações, sobretudo através do contacto com outras diferentes culturas.

Não posso acabar sem laçar o desafio a quem viu o filme, de questionar o seu final paradoxal. O culminar dos acontecimentos dá ou não razão à diversidade cultural?

Termino com a citação final do filme: “A minha conclusão é que o ódio é um peso. A vida é curta demais para se estar zangado o tempo todo. Não vale a pena.”

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