sábado, 29 de abril de 2017

As minhas questões inquietantes sobre dança

AS MINHAS QUESTÕES INQUIETANTES SOBRE DANÇA - 1ª parte

Hoje, 29 de abril, celebra-se a dança em todo o mundo de uma forma ainda mais especial para aqueles que se encontram com esta arte diariamente, pois a UNESCO decidiu instituir neste dia, o Dia Mundial da Dança.

Este primeiro texto versará, portanto, sobre a dança, pretendendo ser uma abordagem inicial sobre esta do ponto de vista filosófico. Trata-se de uma reflexão crítica mas bastante pessoal, dada a minha afinidade a esta arte, pois além de Professora (apaixonada) de Filosofia sou também uma Bailarina pré-profissional. 
Por conseguinte, sinto nos meus ombros o peso da tradição estética que se dedicou tão profundamente à teorização da música e deixou o estudo do movimento desvanecer-se, o que fez com que a dança fosse sempre encarada pela sociedade como algo sem fundamento teórico, ao contrário do seu irmão performativo, o teatro, sempre citado em grandes livros e por grandes autores. Seria um enorme disparate dizer que não se pensa a dança em Portugal ou no mundo, até porque temos, felizmente, grandes pensadores que o fazem. Contudo, o que digo e defendo é que a dança foi secundarizada em relação às outras artes e o facto de não ser seriamente teorizada, pensada e discutida, fez com que se lhe atribuíssem as categorias de “hobby”, “desporto” ou “terapia”.

Mas voltando ao Dia Mundial da Dança… Se recuarmos ao séc.XVIII, após o grande triunfo do rei-sol (Luís XIV) encontramos Jean Georges Noverre a defender um ballet pantomima assente na expressividade do bailarino e num coreógrafo que dominava conhecimentos de música, pintura, anatomia ou até mesmo da maquinaria de um teatro. Ideias revolucionárias num tempo em que os maîtres de ballet não eram senão ensaiadores de bailarinos que cumpriam ordens e executavam mecanicamente a técnica da dança. É em homenagem ao seu nascimento que hoje celebramos o Dia Mundial da Dança, que hoje podemos falar no sentimento interior do bailarino, nas emoções de quem dança e nas emoções que quem vê sente. A expressividade tornou-se o ponto de viragem deste século e, três centenas de anos depois, cá estamos nós a pedir aos intérpretes que nos toquem e a desejar sermos tocados.

Mas afinal, o que é a dança?

Dançar é mexer o corpo? Dançar é movimento? Então quando andamos, corremos ou nadamos estamos a dançar? 
Dançar é cumprir uma linguagem técnica? Então e a improvisação, o freestyle, não é dança? Dançar é obedecer a coreografias? 
Basta ter flexibilidade para criar uma sequência rítmica e dizer que estou a dançar? As aulas de dança são dança ou só o são os espetáculos e as performances? 
Como distinguimos um bailarino que dança profissionalmente de um amador? Um dança mais do que o outro? Como medir? Como comparar? Através da sua técnica ou da sua expressividade? Só são dança os movimentos de um bailarino profissional? Os estilos de dança que almejam uma neutralidade na expressão do bailarino são por isso considerados menos dança? 
E quando dizemos que dançamos na discoteca, estaremos realmente a fazê-lo? Basta mover-me com sentido? E o movimento sem sentido de um bailarino profissional, não é dança?

Estas são apenas algumas das questões que habitam no bailado do meu pensamento, questões que me assolam e que me intrigam. 
Saberemos nós o que é a dança? 
Vejo-me perante uma situação que se assemelha ao problema da definição de filosofia. Talvez as grandes formas da existência humana não se deixem aprisionar numa só definição, num só ponto de vista, numa só interpretação. Talvez o belo destas duas artes seja o facto de nos darem que pensar, de nos darem a liberdade de exprimirmos o que sentimos acerca do que apreendemos do mundo, do que nos rodeia. A dança, tal como a Filosofia, oferece ao homem a possibilidade de se reinventar.
O que confere a singularidade a estas expressões humanas é, sem dúvida, porem-nos a caminho de algo que não conhecemos.

Exercício prático de sala de aula:
Inspirada na obra Phenomenology of dance, de Maxine Sheets-Johnstone, deixo aqui a sugestão baseada na pergunta: "Quando vemos uma dança, o que vemos?" ou na língua original: "When you see a dance, what you see?". 

Proponho que o professor execute/mostre vídeos de alguém a executar/peça a um(a) aluno(a) que execute alguns movimentos que fazem parte do vocabulário de dança clássica, movimentos simples, básicos, como as posições dos pés e dos braços, seguido de port-de-bras e de alguns tendus. O professor perguntará de seguida se o que os alunos estão a ver é dança ou não, pedindo que justifiquem. De seguida, o professor mostra um vídeo de um bailado/executa algumas frases/pede para o(a) aluno(a) executar de um bailado que contém esses passos que fazem parte da linguagem técnica basilar da dança clássica na variação que estão de momento a ver. Perante tal fluidez, o professor perguntará novamente à turma se o que veem agora é dança e que diferenças tem do momento anterior. O objetivo é que se reflita a relação entre a dança e a técnica. Tratar-se-á de uma relação conjuntiva, exclusiva ou disjuntiva, isto é, a dança é dança porque tem técnica subjacente, a dança é dança porque não tem técnica, porque é livre; a dança é dança porque passou pela técnica como um meio de preparação do corpo para dançar e, neste ponto, a técnica não é dança. 

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