A
aisthesis entra na filosofia com os primeiros filósofos para tentar explicar os
processos fisiológicos envolvidos no processo de percepção de um objecto. Na
Grécia antiga, filósofos como Heraclito e Parménides utilizaram esta palavra para dissertar
acerca da natureza (physis) e acerca
do nosso conhecimento sobre o que nos rodeia. As suas dúvidas epistemológicas
fizeram-nos crer que para chegar à verdade (aletheia)
teriam que separar a episteme
(ciência) da doxa (opinião).
Parménides, no seu poema, revela que a única fonte para chegar à verdade é a episteme, e não a aisthesis, ou seja, o que o filósofo quer dizer com isto é que para
chegarmos à verdade temos que quebrar com dogmas, suposições, conhecimentos que
provenham da experiência, isto é, dos sentidos, e dedicar-nos ao raciocínio
filosófico, à ciência, darmos atenção ao logos.
Porém,
a palavra ganhou outra dimensão quando comparada com a alma. Note-se que nós,
seres humanos, somos capazes de percepcionar, de sentir, através dos nossos
cinco sentidos e de construir imagens mentais resultantes do processo de
conhecimento que tivemos com os objectos conhecidos. Então, surge inevitavelmente a pergunta: Qual a relação entre a alma imaterial e o corpo
material e qual a relação específica entre aquela faculdade da alma conhecida
por aisthesis e aquela parte do
corpo, o organon?
Para
conhecer é preciso haver uma relação entre um sujeito (que conhece) e um
objecto (que é conhecido), mas, esta relação é motivo de discórdia entre vários
filósofos. Por um lado, filósofos como Parménides, Empédocles e Platão pensam
que há uma semelhança entre o sujeito e a coisa conhecida, enquanto que por sua
vez Anaxágoras e Heraclito, defendem que o sujeito e a coisa conhecida são
opostos.
A
sensação para Empédocles: Empédocles sustentava
que a sensação resulta de um processo em que o objecto liberta emanações que
entram nas passagens dos sentidos que lhe correspondem.
Demócrito, por sua vez, pensa que a imagem que se forma do objecto entra no sujeito através do ar. O olho vê o objecto e forma-se uma imagem no ar, como a retina do olho é húmida e a imagem formada também o é, a imagem entra na retina do olho para o sujeito.
Para
Anaxágoras, as sensações, principalmente as
tácteis, repousam no contacto: por exemplo, nós sentimos frio graças ao nosso
calor, nós sentimos suavidade graças à nossa rigidez. Daí, posteriormente, se
desenvolveu a ideia de que só sabemos o que é a saúde graças à doença; só
sabemos o que é a paz devido à existência da guerra e por aí em diante.
Para
Platão, é sabido que, para chegar até à verdade
é preciso ir mais além do que do campo das sensações. O conhecimento não é
sensitivo, o que nós vemos são sombras que têm uma correspondência verdadeira
no mundo inteligível, o mundo das ideias. A nossa alma já lá esteve, já
contemplou as ideias antes de se tornar prisioneira do nosso corpo e tudo o que
conhecemos agora é apenas fruto de uma reminiscência da alma, uma recordação do
que outrora ela já conheceu. O que está à nossa frente é enganador, as
sensações que temos não são verdadeiras, o que é verdadeiro é a imagem, a ideia
desse objecto que conhecemos.
Para
Aristóteles o conhecimento processa-se de modo
diferente: o que nós vemos é verdadeiro e para percepcionarmos precisamos de
ser capazes de percepcionar, isto é, ter em nós a potência (dynamis) da visão, da audição, do tacto,
da percepção e o acto propriamente dito, isto é, percepcionar a realidade.
Porém, para percepcionarmos temos que estar num estado de equilíbrio, de
prudência, numa espécie de meio entre eles: percepcionar é ser potencialmente
os dois extremos mas não ser efectivamente nenhum deles.
O
artigo acaba com a noção de que o corpo é uma mediação. Note-se, que se somos
capazes de percepcionar isso deve-se, especialmente no entender de Plotino, à existência da alma. Não obstante, entre o
objecto sensível e o objecto noético encontra-se o corpo, que faz uma ligação, uma ponte entre o sensível e o intelectual. É o
corpo que tem o contacto com estas duas dimensões, é a mediação entre a subjectividade interior e a realidade do mundo.
Mas note-se que não é uma mediação neutra
ou não operativa, a grande importância desta mediação é que ela é um motor que
está permanentemente a trabalhar. O corpo está sempre em contacto com a realidade, a percepcionar, a transmitir e
recolher informações. Porém, nem todos vemos as coisas da mesma forma,
embora estejamos a falar do mesmo objecto, o que induz a uma subjectividade do sujeito e a uma imparcialidade do corpo.
NOTA: Este artigo foi escrito com base no artigo: PETERS, F.E., «aisthesis» in Termos filosóficos gregos: um léxico histórico. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, [1978].
Um artigo esclarecedor de forma que o leigo possa entender.
ResponderEliminarMuito obrigada!
Instigador e relevante o seu artigo.Parabéns!!
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