Com o aparecimento da perspectiva, a pintura
ganhou uma nova vida, pois deixou de ser apenas uma expressão psíquica para ser
uma tentativa de identificar o pintado com o que a nossa percepção do real nos
diz. Através da perspectiva a pintura ganhou uma nova dimensão, na qual os
objectos ganharam uma nova vida e por isso a pintura obteve uma maior aproximação
ao que o homem percepcionava. Bazin considera que a
perspectiva foi o pecado original da pintura ocidental. Note-se que no século XV o pintor deixou de se
preocupar somente em expressar a realidade espiritual para combinar a sua
expressão com a imitação mais ou menos integral do mundo exterior. A fotografia
é um ponto de viragem da história das artes plásticas. Daqui surge a grande
polémica do realismo nas artes, derivado da
confusão entre o estético e o psicológico.
Porém, a questão do movimento não estava ainda presente na pintura e por
isso era necessário criar uma arte que unisse também esta faceta para que assim
se conseguisse imortalizar os acontecimentos tal qual os vemos.
A fotografia surgiu como uma salvação para a pintura e outras artes
plásticas, porque fez com que ela se libertasse da sua
obsessão pela semelhança, pelo realismo. O cinema e a fotografia acabam
por ser as duas artes que melhor expressam o real que percepcionamos e,
portanto, a pintura ao lado destas duas artes seria sempre uma arte subjectiva
que depende do autor, ao contrário da fotografia que capta o momento como ele
é, independentemente do olhar do fotógrafo. Isto
porque o fotógrafo apenas irá captar uma imagem, apenas aponta a objectiva e,
se assim o entender, irá aumentar a objectiva para captar mais pormenores, mas
a imagem que irá sair não depende das habilitações dele, a imagem capta os
pormenores que encontra, independentemente se o autor está a vê-los ou não, ao
contrário de uma pintura na qual o que vemos foi a mão do pintor que desenhou
e, portanto, o produto final resulta da visão do pintor e da sua habilidade. Na
fotografia, o fotógrafo apenas tem o papel de escolher
o plano que quer captar.
O elemento
fundamental da máquina fotográfica chama-se objectiva,
porque permite uma representação objectiva da realidade, há uma transferência
da realidade da natureza para a representação. Porém, note-se que a fotografia
não é uma mera representação, ela é a própria realidade
deslocada no universo empírico. É a possibilidade de guardar/conservar a realidade tal como ela é, fazer com que
ela não desapareça totalmente.
Porém, note-se que durante muito
tempo a fotografia continuou inferior à pintura,
pois esta conseguia imitar melhor as cores enquanto que a fotografia apenas
captava o real a preto e branco. Pela primeira vez, descreve André Bazin, o processo de imitação do real deixa de depender do homem
para depender de um objecto e é neste que está o olho que capta o que
queremos imortalizar. O olho humano passa a ser substituído por um conjunto de
lentes a que se dá o nome de «olho fotográfico».
É com a fotografia que o objecto representado passa a estar mesmo representado,
isto é, tornado presente no tempo e no espaço
tal como é, através de um papel fotográfico. A fotografia dá-nos uma visão
credível acerca do que foi captado, torna-se a arte que capta o real de uma
forma mais fidedigna.
Outra faceta da fotografia é a de
que ela acaba por se revelar como uma ferramenta que imortaliza
momentos, vidas e pessoas, que nos traz à memória acontecimentos que
irão perdurar através daquele rectângulo de papel que copiou a realidade num
certo momento. “Salvar o ser pela sua aparência”:
sobretudo a partir da época moderna, a morte passou a ser encarada não como um
acontecimento natural mas sim como um facto trágico, como uma espécie de tabu
que causa angústia, ao que a fotografia veio possibilitar um dos sonhos do
homem, que é precisamente o facto de “salvar o ser pela sua aparência”. A
fotografia capta um momento e conserva alguém que
já não está aqui, como por exemplo, alguém que já não está entre nós. A
realidade é dinâmica mas a fotografia é estática.
Porém, apenas se salva a aparência do ser, isto é, apenas ficamos com uma
recordação fotográfica da imagem, do corpo de alguém e não daquilo que ele era.
Ela embalsama o tempo, o corpo mas não o ser do
homem que viveu. A fotografia não nos transmite sons, cheiros nem toques,
apenas nos transmite uma informação visual. O que é o corpo de um homem?
“Não se acredita mais na identidade
ontológica de modelo e retracto, porém se admite que este nos ajuda a recordar
aquele e, portanto, a salvá-lo de uma segunda morte
espiritual”. Bazin acredita que a morte espiritual não surge mais cedo
devido à existência de algo material que nos possibilita uma lembrança, uma recordação de momentos vividos ao lado dessa pessoa
que já sofreu a morte corporal. Frequentemente ouve-se dizer que ‘um homem só
morre quando morre no nosso pensamento’, isto não é mais do que a existência da
recordação e da memória. A fotografia veio avivar as memórias, veio manter o homem morto, vivo! Vivo no pensamento daqueles
que o recordam.
«A fotografia vem a ser,
pois, o acontecimento mais importante da história das artes plásticas», isto porque
a fotografia permitiu à pintura ocidental que esta deixasse a sua obsessão com o realismo, com a imitação
e permitiu que esta encontrasse a sua autonomia
estética. Foi desde o aparecimento da fotografia que a cor devorou a forma, porque esta já não tinha mais importância imitativa.
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