Na sua obra, Totalidade e infinito, p.9, encontramos Emmanuel Levinas a sublinhar a importância de «não nos iludirmos com a moral», ora, o que com isto Levinas quer dizer é que, por vezes, moral significa moralismo e a ética não é nem pode ser equivalente a moralismo. Ao contrário de vários autores, Emmanuel Levinas não faz uma distinção clara entre os termos ética e moral, utilizando-os por vezes como sinónimos. Apenas os distingue no campo da etimologia, sendo que a palavra moral provém da palavra latina mores, enquanto que a palavra ética provém da palavra grega ethos (que significa morada, carácter…).
É necessário que se entenda a ética de Levinas como meta-ética, isto é, não como uma ética normativa mas sim como uma ética meta-gnoseológica, meta-filosófica, meta-ontológica, meta-teológica. Para este filósofo a ética é a filosofia primeira: «A ética não é um ramo da filosofia mas sim a filosofia primeira» (Totalidade e Infinito, p.340).
A ética Levinasiana define-se como o «humano enquanto humano» («Filosofia, Justiça e Amor», p.149). Mas, o próprio filósofo admite que o homem não está nunca à altura do humano, pois nunca se é completamente humano, está-se sempre a ser apelado e portanto a nossa humanidade faz-se a cada instante.
Se quisermos falar de normas nesta ética apenas poderemos dizer que a norma das normas, o valor dos valores, é o outro homem, é o humano enquanto humano. A ética de Levinas é uma ética não normativa, é incondicional, sendo que não há um conjunto de regras a cumprir para se ser uma pessoa moral, para ser eticamente correcto. A ética de Levinas trata de assuntos humanos, de problemas como a fome, por exemplo, daí que esta ética deveria servir de base para a economia, para a sociologia e para a política, pois ela trata do humano enquanto humano.
O sujeito humano é relação ao outro, sendo o outro absolutamente outro, isto é, separado (kadosh). O sujeito ético é o sujeito humano, que reconhece a primazia do outro relativamente ao eu e relaciona-se com ele. Para Levinas, o sujeito ético antes de ser ele próprio está à partida, queira ele ou não, saiba ele ou não, aberto ao outro. A ética é, portanto, a santidade: é o reconhecimento da santidade, do outro, da alteridade do outro, da primazia do outro. Não obstante, note-se que a “santidade” em Levinas não remete para uma figura religiosa. O santo é aquele que reconhece a primazia do outro. Para este reconhecimento ser possível, a soberba do eu tem que ser posta em questão, daí este filósofo criticar o sujeito autonómico, pois um sujeito egoide nunca pode estar aberto e sujeito ao outro. Esta é, pois, a sujeição, a passividade originária do sujeito, ele está à partida aberto ao outro, sendo este outro, qualquer outro, seja quem for, sem predicados: não é o branco, rico, heterossexual, católico… Não. O outro não pode ter condições, ele é qualquer outro, não é só o cidadão (como em Kant).
Além disso, o outro está sempre mais acima do que o eu, é o altíssimo, está sempre mais elevado do que eu (e portanto, está sempre mais perto de Deus), vem primeiro e eu reconheço a sua primazia.
Daí que Emmanuel Levinas diga, ao contrário de Platão, que o amor não é a busca pela metade que nos completa, mas sim o encontro do outro, separado de nós, o outro absoluto que nos excede. Ao contrário da tradição, Levinas pensa a relação amorosa não como fusão mas sim como separação, como exterioridade dos dois sujeitos. O desejo não é algo que se sacie, é sempre desejo do outro absoluto, o separado e por isso, também ele infinito... O outro é fonte de desejo e é ele que faz renascê-lo.
Penso que a humanidade não está ainda preparada para uma
proposta tão radical e inovadora que vem inverter prioridades e repensar
definições. Não só o homem depende da educação para compreendê-la e aceitá-la,
como também da receptividade que cada um tem para acolher este grandioso
pensamento. Não só acolhê-lo como praticá-lo, pois esta é uma ética prática e é
aqui que está o grande desafio. Praticar a ética Levinasiana constitui um
desafio, pois o dar sem esperar nada em troca, o responder sempre ao outro, o
acolher qualquer outro e ser-se responsável não só por mim mas por todos os
outros, tudo isto constitui mais que um desafio, constitui o próprio desafio do
humano e por mais que o homem queira, ainda não consegue cumprir tudo o que E.
Levinas propõe, infelizmente.
Sem comentários:
Enviar um comentário