quarta-feira, 11 de abril de 2012

Origem e evolução da filosofia. Reflexão desde os pré-socráticos até aos filósofos medievais, com acentuação em Agostinho de Hipona

Os primeiros filósofos, como Tales ou Anaximandro pensavam sobre a physis, já os filósofos socráticos reflectiam acerca do homem e de questões subjacentes a este. Campos como a ética, a antropologia, a política ou a metafísica foram campos conhecidos pelos socráticos e a felicidade e o cepticismo foram também temas abordados pelos epicuristas, estoicistas e por Pirro. Mas todos eles tinham algo em comum: a razão. Filósofos como Sócrates, Platão ou Aristóteles davam uma importância extrema à razão, já que viam nela a condição especial do ser humano – o ser humano só o é e só se distingue dos outros animais por ter capacidade intelectiva-, eles tentavam ver e sentir tudo de uma maneira racional, até mesmo em questões como o amor, por exemplo (basta lermos ‘O Banquete’, de Platão). Porém, o mundo avançou e mudou e o homem deixou de ser tão racional e encontrou outra coisa em si: a vontade. Esta dimensão não foi introduzida por mero acaso, pelo contrário, foi devido à fé que, apesar de ter características contrárias à própria filosofia devido ao seu carácter alogon, a vontade destacou-se e ganhou importância. Temos agora duas dimensões: a razão e a vontade. Por qual delas optar? Qual delas vingará na Idade Média, depois de filósofos tão mediáticos como Platão ou Aristóteles? Com a fé não só palavras como ‘vontade’ foram introduzidas no vocabulário da altura, mas também noções como ‘transcendência’ foram criadas. Esta noção de que Deus é transcendente ao homem é abordada em quase todas, senão mesmo em todas, as religiões, mas, e recorrendo a Wittgenstein, acerca daquilo que não conhecemos – e para conhecer algo é preciso sair fora e ver o objecto de fora para que o consiga ver num todo e não apenas uma das suas partes -, não podemos falar. Ora, se algo, como Deus, é-me transcendente então é afastado de mim e então não me devo pronunciar sobre isso. Se, por outro lado, eu arrisco e falo acerca dele então é porque não me transcende e se não me é afastado, é-me próximo e então tudo o que eu disser acerca dele não será válido pois não será sobre a transcendência, mas sim sobre algo que me é próximo. Outra dúvida é a da certeza e validade da religião, por exemplo em coisas simples como a pergunta “Quanto é 1+1+1?”. Se perguntarmos isto a um matemático ele dir-nos-á “3” com toda a certeza, pois 3 é a soma de 3 unidades e assim nos diz a ciência. Mas, para um Cristão a noção de 1+1+1 é diferente, pois, de acordo com o Mistério da Santíssima Trindade em que Deus é simultaneamente uno e trino (uma espécie de 3 em 1) em que é Pai, Filho e Espírito Santo, ele ir-nos-á responder “1+1+1=1”. Será que esta resposta não é válida? Até que ponto só as respostas científicas são válidas? Será que é apenas e apenas devemos aceitar as respostas científicas ou a religião também nos pode dar respostas e também as devemos aceitar? Esta noção de ‘vontade’ trouxe mudanças até no próprio campo da antropologia. Note-se que houve uma alteração da antropologia ocidental porque antes afirmava-se que o homem toma decisões baseadas na razão e agora surgiu a hipótese de o homem poder tomar decisões sem/desconhecendo a razão, isto é, de tomar decisões conhecendo as opções que tem mas escolhendo uma delas devido à sua liberdade (eu sei o que devo fazer, mas não o faço porque sou livre).
Com isto quer-se dizer então que um novo domínio surgiu e, como não poderia deixar de ser, novas perspectiva se ergueram quanto à intrusão da vontade no campo da filosofia. Será que um filósofo poderia ser simultaneamente cristão, na medida em que a fé tem características “anti-filosóficas” (alogon)? Por um lado, e relembrando Tertuliano, defendia-se a separação entre a filosofia e a religião. Uma coisa é a filosofia e outra coisa distinta é a religião, não existindo nenhuma relação entre a filosofia e a fé, entre Atenas e Jerusalém. Um discípulo de Platão é um filósofo que não pode, de maneira alguma ser cristão. A filosofia é um sistema diafónico, onde cada um pensa de maneira diferente e diz coisas diferentes, enquanto que a religião é uma eufonia porque há uma só verdade revelada e um acordo por parte daqueles que a seguem e a aceitam. Por outro lado, citando Justino, admitia-se que o cristianismo e a filosofia poder-se-iam abraçar mutuamente e criar novos laços. Por experiência própria, Justino defendia que percorrera várias ‘seitas’, como a do platonismo, aristotelismo, epicurismo, estoicismo… mas não ficara satisfeito com nenhuma delas já que não encontrou em nenhuma delas as respostas para as suas questões até que, um dia, experimentou o cristianismo e disse ‘agora sou filósofo’. Para Justino filosofia e religião significavam salvação. Ser-se filósofo significa ser-se religioso e ser religioso significa querer a salvação e o indivíduo que se salve é um indivíduo feliz, embora a salvação exija alguém de fora… Ora, isto mostra uma clara mudança radical na definição do que é a filosofia, dos limites da filosofia e até da própria racionalidade. Ser platónico significa que se é discípulo e adepto de uma das ‘seitas’ da filosofia, mas isso não implica que não se possa ser cristão. Deve-se dizer que foi graças a Justino e a filósofos que partilhavam do seu pensamento que a filosofia continuou viva e que chegou aos nossos dias e que, mais tarde, filósofos como Pseudo Dionísio Areopagita ou Agostinho de Hipona, mais conhecido como Santo Agostinho, puderam pensar e conjecturar acerca de questões como a salvação dentro da própria filosofia. Enquanto que o primeiro se debruçava acerca do problema da linguagem, como discursar sobre Deus; o segundo debruçava-se acerca de Deus e do eu, da alma.
Santo Agostinho, por exemplo, que foi um filósofo reconhecido e com grande destaque nos dias de hoje, acreditava e defendia que a fé é a dimensão básica da vida e que todos os gestos do quotidiano se baseiam em actos de fé. Para ele o que importa é conhecer Deus e a alma. Na sua obra mais famosa, ‘Confissões’, Agostinho declara ter-se tornado um problema para si próprio, pois o que realmente importa é dar um sentido à vida e a inquietude do coração é o motor para avançar, questionar e aprender. É a inquietude e insaciável insatisfação humana que o faz conhecer e querer ser feliz, se bem que, só consigo ser feliz fora do tempo porque a minha incerteza não mo permite ser de outra forma. Por exemplo, quando ambiciono ter uma piscina e depois de a construir não lhe dar importância, não me satisfazer com ela, deixando de a desejar e passando a ambicionar outra coisa qualquer. Assim é o ser humano, com a sua condição de tempo, incerteza e inquietude, pois a sua alma foi criada no tempo. Acerca da criação este filósofo admite que Deus criou livremente, criou a partir do nada e do tempo, originando criaturas à sua semelhança, também elas livres, com livre-arbítrio. Com opinião contrária vivia João Duns Escoto, que defendia uma criação que não era totalmente livre, pois está condicionada pela matéria, da mesma forma que um escultor quando vai criar a sua obra de arte está condicionado pela matéria (granito, por exemplo), com que vai trabalhar. Ainda acerca de Agostinho de Hipona, importa referir que se somos criação de Deus é porque ele habita em nós! Basta que em nós caminharmos e descobriremos o mais íntimo… Devemos percorrer um caminho de introspecção e quando percorrermos esse caminho e nos afundarmos cada vez mais em nós, mais descobriremos e descobriremos tanto que descobriremos inclusive a própria transcendência (Deus) dentro de nós. Deus está dentro de cada um de nós, temos é que o avivar, mas para o encontrar é importante acreditar na sua existência previamente, caso contrário, não conseguiremos esta busca. Ora, se Deus criou criaturas à sua semelhança e se Deus é a verdade e a felicidade então produziu criaturas cujo propósito é ir em busca da verdade e da felicidade. Um Deus livre criou criaturas livres, com poder de decisão, como já foi dito, e se assim o é, consoante as suas escolhas podem muitas vezes tender para não seguir o caminho de Deus, como o caso de Adão e Eva. Eles estavam confrontados com a verdade e negaram-na, por sua opção, afastando-se assim do caminho de Deus. A cidade dos homens é uma cidade consequente do pecado original e se Adão e Eva não tivessem pecado, o mal não existia. O mal é consequência deste pecado original, que ditou o destino do resto dos homens, assim, o mal deixa de ser entendido como produto do destino ou efeito trágico de uma necessidade ou ainda como um princípio antagónico ao bem e sua deficiência e passa a ser entendido como pecado. É também devido a este pecado original que a política surgiu: a política não seria necessária se não tivesse havido pecado original, pois viveríamos todos fraternalmente. Além disso, a alma ficou num estado encurvado como consequência do pecado, presa a si. A alma foi desterrada em relação à sua posição própria, ficando apenas a caminho como um percurso no deserto, limitando as suas possibilidades. Como não poderia deixar de ser, quando Deus nos criou ele arquitectou-nos, isto é, projectou-nos como um arquitecto, pensando-nos no domínio do eterno. Assim, a criação é a partir do nada (o que lhe confere liberdade) e do tempo. A minha existência é apenas tempo (é uma narrativa e interpretação da passagem do tempo, história) e assenta no nada. Mas se Deus cria aquilo que pensa podemo-nos questionar: será que Deus cria tudo aquilo que pensa? Se sim então por que é que criou o mal? Se não então reserva para si um mundo de possibilidades não criadas, que poderiam perfeitamente existir! Objecções à parte, Agostinho acreditava que este rompimento com o dualismo cosmológico de Platão era o acertado e definia, delimitava e distinguia bem a perspectiva do tempo e a perspectiva da eternidade. Nós vivemos no domínio do tempo e só contemplando o cosmo, aquilo que é uno, é que podemos ser felizes. Porém a felicidade implica um processo de salvação e a salvação, por sua vez, implica a ajuda do outro, assim, a felicidade é a contemplação da eternidade, daquilo que não muda e, recordando o filósofo pré-socrático Heraclito, podemos dizer “se ouvires, não a mim, mas ao logos, será sábio concordar que tudo seja uno”.

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